29 junho, 2009

Sem cores ou formas

Às vezes em quatro paredes
Atenho-me perene ao modo de cantar
Sozinho, em tom desafinado,
Com olhos fechados entrego-me a pensar.
Se o amor é tão errado,
Por que tantos a ele querem se entregar?

Talvez o mundo simplesmente
E tão brevemente se esqueça de lembrar,
Que o tempo em que fiquei calado
Quase sendo levado junto desse mar,
Eu tenha ficado de lado
Pensando em pecado e querendo amar.

Sua silhueta passa por mim,
De modo que eu não a possa enxergar.
Sentado, em canto arrojado,
Por dentro, mantenho-me a gritar.
De meu olhar inabalado,
Seu rosto insiste em se desviar.

Às vezes, em minhas centenas
De simples tristezas passo-lhe a falar.
Em jogos de um ser alado
De lábio cerrado venho-lhe a lembrar.
Amor, mesmo não apresentado
E inacabado quero partilhar.

Gabriel Vitor Tortejada

21 junho, 2009

Plumas de inverno

O sol brilhava timidamente por detrás das tantas nuvens daquele dia. Não era quente, não era amarelo. A brancura era imensa, a beleza envergonhada, ninguém a via. Mas o fenômeno fatídico aconteceu às 15 horas daquele mesmo dia, em uma movimentada avenida.

Ao longe viam-se pequenos pontos lilases se aproximando do solo. O fenômeno demorou, mas tive paciência de esperar. Valeu a pena. Aos poucos o ar foi se tornando carregado, a tonalidade do ambiente estava mudando. Aos poucos a rua inteira estava roxa. Ninguém via.

As plumas cortavam lenta e suavemente o ar gelado de inverno. Nesse momento já estavam na altura dos prédios, mas consegui distingui-las facilmente. Pude perceber que ao encostar em paredes ou janelas, elas sumiam deixando um breve clarão em seu lugar. “Vai ser rápido”, pensei. Ainda assim ninguém via.

Enfim pude tocá-las, era algo diferente, uma sensação maravilhosa, talvez algum tipo de êxtase. Estiquei a mão para a primeira que se aproximou de mim, senti que ela dissolveu em minha mão, como antes, se transformou em um feixe de luz cegante que logo desapareceu. Ao toque senti um arrepio, à luz, felicidade e ao desaparecimento, vontade de mais. Logo meu corpo estava sento atingido por todas as partes. Era completamente viciante. Sensacional. Ninguém me via.

Assim que as plumas começaram a acertar todos finalmente percebi algumas reações, mas apenas crianças ou idosos, o que era mais estranho. Eles olhavam completamente maravilhados para o que lhes acontecia, alguns fechavam os olhos de felicidade, outros gritavam de contentamento. Os adultos simplesmente ignoravam, coçavam onde eram acertados, resmungavam baixo, abriam guarda-chuvas ou se protegiam em coberturas sem nunca olhar para cima. Esses não viam nada, ou ao menos não queriam ver.

Quando tudo acabou senti uma das maiores tristezas que já tive. Senti vontade de chorar, mas me aguentei. Queria mais daquilo, não queria que acabasse. Acabou. Olhando em volta, era perceptível uma depressão geral. Os que uma vez aproveitaram o momento choravam assim como os que o ignoraram. Essa reação demorou muito para acabar, mas enfim acabou. Nem todos viram, mas sentiram.

Por toda minha vida procurei ter aquilo de novo, substituir até, o que é óbvio que não conseguirei. Entretanto não é só porque não sentirei aquelas plumas mágicas me tocando novamente que não procurarei outras formas de prazer, similares ou não. Sou grato por ter notado o que acontecia, pois apesar de ter sentido a falta e a tristeza, pude aproveitar o momento, do contrário de outros. O que importa afinal é que eu vi.


Gabriel Vitor Tortejada

09 junho, 2009

Entre praças e campos

Ouve-se a música dos menestréis
Tocar ao som da natureza,
Na busca de paz,
Vêem bobos da corte,
Assumidos ou não,
Festejando a glória de sangue.

Bolas píricas dançando
Ao talento dos bufões.
Deboches e piadas.
Alguns se rendem,
Ao riso hipócrita.

E também o tilintar de espadas
Em representação alegórica,
Tentativa de cômica,
Dos rubros banhos,
Dos campos da morte.

Enquanto longe lutam guerreiros,
Morrendo e suando,
Buscando a glória,
Onde não há.

Gabriel Vitor Tortejada

04 junho, 2009

Breve Torpor

Sonhei com anjos cantando à minha janela,
Acontece que era apenas um pássaro,
Que cantava lindamente,
De maneira hipnotizante.

Naquela noite fria sussurrava,
O canto me controlava,
E as luzes que lá não estavam,
Pelo som passei a observar.

Um raio de luz passou em turbilhão,
Talvez um novo caminho verei,
Não sei se me curou, me fez esquecer.

Por um breve momento,
Sua beleza me tragou
Por mares que muitas vezes vi,
E pouco naveguei.

Gabriel Vitor Tortejada