23 maio, 2010

Da tempestade

Falei por três vezes,
Sem pensar, entusiasmado.
Falei de maneira incoerente,
No ápice do tempo,
No ápice do calor.

Sonhei que falei mil,
Ainda que assim não tenha sido.
Pensei em não falar,
Mas o peito não agüentou.
Ele gritou ardente.

Falei três vezes sem razão,
Esqueci das filosofias e enchi meu coração.
Falei três das quais uma foi correspondida.
Das três essa foi minha favorita.

Falei ao Mar da tempestade que causou em mim.
Resumi tudo em uma palavra menor.
Disse ela três vezes.
Eis que na minha vida então,
Estive certo apenas essas três.

Gabriel Vitor Tortejada

06 maio, 2010

O Ladrão de Ases - Outra visão

- Maria! Vem aqui sua vagabunda! Não pensa que eu não sei o que você fez, porque eu sei sim! Sabe aquele porteirinho lá? Tá morto, tá morto. Assim como você, sua vadia!

Já está na hora de sair daqui. Não é um momento oportuno para ninguém estar aqui. Apesar do costume me mandar ignorar o fato de que um potencial homicídio está para acontecer, não conseguiria continuar aqui sem que me levasse à morte tentando impedir a daquela moça. Um erro não justifica o outro, eis o que minha avó sempre dizia.   

Todos os tipos de artigos diferentes vêm à minha cabeça para explicar quantos crimes esse homem está cometendo de uma vez só. Não há artigo que descreva a realidade, isso é fato. As tentativas de meus pais me tornarem advogado me frustram a cada momento que vejo o quanto somos irracionais e que de irracionais não merecemos julgamento nenhum, merecemos a cova.

O vento bate em meu rosto acolhedoramente naquela noite quente. A liberdade se coloca à minha frente sem nenhuma restrição. O que me restringe é a morte que anda ao meu lado enquanto piloto a motocicleta. A cada desatenção minha recebo um toque gélido no meu ombro me lembrando que não devo errar, que não é a minha hora, que o aviso é bem vindo mas não vai me impedir da morte prematura. A morte é amiga, ela me avisa que ainda não é hora.

Chegar em casa é reconfortante e desconfortável ao mesmo tempo. Estou seguro, mas longe da minha vida. Não me sinto vivo em casa de rico. Mesmo que seja a minha própria. O entrar sem fazer barulho é o mais difícil, mesmo que não adiante nada. Meu pai está me esperando na sala, o que não é surpresa nenhuma já que ele descobriu onde passo meus dias após a faculdade.

- Onde você estava? - Começou ele uma discussão silenciosa.
- Como se você não soubesse.
- Quero ouvir da sua própria boca.
- Por que? O seu detetivezinho particular não disse o local exato?
- Que você estava naquela favela? Claro que disse. João, o que você faz naquele lugar? São drogas? É      uma vadia qualquer? Eu quero entender.
- Você não entenderia.
- Tente!

Ative-me a olhá-lo com desprezo. Ele me insultava com aquele papo de mulher, de drogas! Eu não precisaria ir para a favela todos os dias para nenhum desses dois casos. Sua barba escondia a forma de seu queixo, gotículas do uísque que tomava ficavam em seu bigode. O rosto demonstrava cansaço nitidamente, mas sua hipocrisia em tentar ajudar a vida do filho impedia que ele dormisse sem saber de onde vinha a minha felicidade. Que felicidade.

- Eu realizei o seu sonho ao entrar na faculdade de direito, agora me deixe viver minha vida da maneira que eu bem entendo.
- Eu só quero o que é melhor para você!
- Então você faria muito mais por mim do que apenas ser pai!

Não espero uma resposta, o quarto me chama pelo conforto, pelo sono. E pela solidão. Aos meus últimos passos antes da porta ouço choro vindo da sala. Não me interesso em olhar para trás.

Gabriel Vitor Tortejada