06 maio, 2010

O Ladrão de Ases - Outra visão

- Maria! Vem aqui sua vagabunda! Não pensa que eu não sei o que você fez, porque eu sei sim! Sabe aquele porteirinho lá? Tá morto, tá morto. Assim como você, sua vadia!

Já está na hora de sair daqui. Não é um momento oportuno para ninguém estar aqui. Apesar do costume me mandar ignorar o fato de que um potencial homicídio está para acontecer, não conseguiria continuar aqui sem que me levasse à morte tentando impedir a daquela moça. Um erro não justifica o outro, eis o que minha avó sempre dizia.   

Todos os tipos de artigos diferentes vêm à minha cabeça para explicar quantos crimes esse homem está cometendo de uma vez só. Não há artigo que descreva a realidade, isso é fato. As tentativas de meus pais me tornarem advogado me frustram a cada momento que vejo o quanto somos irracionais e que de irracionais não merecemos julgamento nenhum, merecemos a cova.

O vento bate em meu rosto acolhedoramente naquela noite quente. A liberdade se coloca à minha frente sem nenhuma restrição. O que me restringe é a morte que anda ao meu lado enquanto piloto a motocicleta. A cada desatenção minha recebo um toque gélido no meu ombro me lembrando que não devo errar, que não é a minha hora, que o aviso é bem vindo mas não vai me impedir da morte prematura. A morte é amiga, ela me avisa que ainda não é hora.

Chegar em casa é reconfortante e desconfortável ao mesmo tempo. Estou seguro, mas longe da minha vida. Não me sinto vivo em casa de rico. Mesmo que seja a minha própria. O entrar sem fazer barulho é o mais difícil, mesmo que não adiante nada. Meu pai está me esperando na sala, o que não é surpresa nenhuma já que ele descobriu onde passo meus dias após a faculdade.

- Onde você estava? - Começou ele uma discussão silenciosa.
- Como se você não soubesse.
- Quero ouvir da sua própria boca.
- Por que? O seu detetivezinho particular não disse o local exato?
- Que você estava naquela favela? Claro que disse. João, o que você faz naquele lugar? São drogas? É      uma vadia qualquer? Eu quero entender.
- Você não entenderia.
- Tente!

Ative-me a olhá-lo com desprezo. Ele me insultava com aquele papo de mulher, de drogas! Eu não precisaria ir para a favela todos os dias para nenhum desses dois casos. Sua barba escondia a forma de seu queixo, gotículas do uísque que tomava ficavam em seu bigode. O rosto demonstrava cansaço nitidamente, mas sua hipocrisia em tentar ajudar a vida do filho impedia que ele dormisse sem saber de onde vinha a minha felicidade. Que felicidade.

- Eu realizei o seu sonho ao entrar na faculdade de direito, agora me deixe viver minha vida da maneira que eu bem entendo.
- Eu só quero o que é melhor para você!
- Então você faria muito mais por mim do que apenas ser pai!

Não espero uma resposta, o quarto me chama pelo conforto, pelo sono. E pela solidão. Aos meus últimos passos antes da porta ouço choro vindo da sala. Não me interesso em olhar para trás.

Gabriel Vitor Tortejada

4 comentários:

Athina Path disse...

torta,indiquei seu blog pro prêmio Dardo.

Entra no meu blog,copia o URL na imagem e coloca no seu blog.
Você tem que indicar 10 blogs.

Athina Path disse...

pode ser menos que 10 .-.
mas no máximo 10 .-.

Athina Path disse...

muito bom o texto \o/

Unknown disse...

que triste!!!