23 março, 2011

Da argumentação


 
          - É belo hoje em dia pessoas tentarem convencer umas às outras sem terem os argumentos corretos. O meu objetivo hoje é uma estrutura completamente diferente do que se conhece. Não quero me provar certo em nenhum momento, mas quero provar que vocês estão errados. Alguém me apresente um tema para argumentação por gentileza?
            A sala ficou quieta. Todos se olhavam enquanto o professor estufava o peito de inquietação. Ele sabia que teria que descartar alguns temas para não criar uma polêmica muito grande, mas sabia que a polêmica se criaria de uma maneira de outra, e que, de uma vez por todas, haveriam alunos odiando ele. Um aluno levanta a mão cheio de orgulho para expor o tema dele:
            - Se é ou não correto o casamento entre os homossexuais.
            - Pequenino nazista - disse o professor - não vou entrar nesses méritos, principalmente porque juízos de valor não são passíveis de comprovação ou não. Poderíamos até discutir se seria justa a legalização, mas essa discussão duraria muito e não nos levaria a nenhum lugar.
            - Aborto?
            - Você realmente quer criar polêmica aqui, né? Que tal ignorarmos questões que envolvem religião? Algo que já foi comprovado e que vai ser muito difícil que eu prove o contrário.
            Muitos alunos mantiveram suas cabeças abaixadas encarando o caderno em branco, mas Mariana, que estava folheando o livro de geografia teve a grande idéia:
            - Então, professor. Está aqui provado que a população brasileira está em tendência de queda, graças à mudança de cultura, a entrada da mulher no mercado de trabalho, a disseminação de contraceptivos entre outros.
            - Sim, - retrucou-lhe - mas como você vai provar isso?
            - Acabei de provar!
            - Não, você acabou de me explicar as causas, você acabou de ampliar o meu entendimento sobre a sua hipótese. Você tentou me provar algo com causas. Não se prova que alguém morreu porque o carro bateu, mas pelo fato de seu cérebro ter sido atingido, danificando o funcionamento do cérebro.
            - Professor, - Disse um outro garoto que se sentava perto dela - no livro de geografia tem um gráfico que comprova o que ela disse. mostra a comparação de uma pirâmide populacional dos anos 1950 com uma dos anos 2000. Demonstra que realmente há uma diminuição no número de filhos.
            - Perfeito, um dado incontestável. Mas o que resulta nessa diminuição dos filhos? Me falem do objeto que acertou o cérebro da vítima. Me fale o que está acontecendo nos casais, no que os contraceptivos, mulheres no mercado de trabalho, mudança de cultura interferiram?
            Mariana ainda não tinha se dado por vencida, apenas não tinha entendido a definição de fato, de prova que o professor Gabriel tinha solicitado, mas tinha entendido completamente o que ele tinha pedido a seguir, e não se conteve ao morder e estraçalhar a tampa da caneta que estava em sua boca quando levantou a mão para dar uma resposta:
            - Bom, ou os casais estão tendo mais menos filhos, ou alguns não estão tendo filhos por impotência ou por vontade.
            - Muito bom, Mariana. Concordo com os casais estarem tendo menos filhos, mas eu não concordo com a segunda parte. Sei que existem, mas não vejo razão nenhuma para acreditar nisso. Os casais não terem mais filhos simplesmente não faz sentido para mim.
            - Mas é óbvio, por causa dos contracepti...
            - Não caia no erro, já falei que esses dados são apenas para compreensão. Eu quero provas. Por exemplo em um livro, teriam tabelas e estatísticas. Porcentagens. Mas quero que você use o que lhe é palpável. Por exemplo no primeiro caso: Meus avós tiveram 4 filhos, meus pais, 2. Isso é uma prova em escala reduzida pois não podemos fazer pesquisas. Dê preferência para exemplos do passado, ou casais já mais velhos, para que assim possamos ter certeza que não vá acontecer um pequeno acidente ou uma mudança de idéia.
            - Eu não conheço ninguém.
            - Leu algum caso no jornal, viu na televisão?
            - Provavelmente...
            - Você quer provar, ou ponderar?
            - Eu não me lembro!
            - Então use casos que você se lembra!
            - Mas existe, você sabe!
            - Não é porque existem casos, que signifique que você possa provar. Eu quero que você prove. Todo mundo aqui sabe que existem casais que não têm filhos por opção. Mas eu quero uma prova, quero um dado.
            - Mas tá escrito aqui, professor, no livro!
            - Não, está escrito que os casais estão tendo menos filhos proporcionalmente, mas isso não prova que existem casais que não têm filhos.
            - Lógico que prova!
            - Isso é uma conclusão que você está tendo do contexto geral, mas se você quiser sobreviver no mundo acadêmico em um futuro próximo, você tem que documentar tudo o que fala, ou simplesmente não falar.
            - Mas eu nunca vou conseguir provar isso aqui, e agora... Eu teria que pesquisar!
            - Essa é a idéia. Se você quer levantar hipóteses, levante hipóteses em discussões, não fale suas conclusões como se fossem verdade. Deixe claro que são apenas interpretações suas, ou as documente muito bem, para que sejam muito difíceis de serem batidas. É óbvio que existem casais que não querem, e não têm filhos, mas se você não consegue provar, não fale, ou fale que provavelmente há.
            - Não vou medir minhas palavras assim, toda vez que for conversar com alguém!
            - E não há necessidade mesmo... Talvez apenas comigo.
            O sinal tocou, encerrando a aula. Grande parte dos estudantes foram fumar, ir ao banheiro e outros... Outros simplesmente foram fazer outras coisas que não cabe a mim discutir aqui, pois não tenho dados suficientemente precisos para dizer se dessa vez foram ou não.

09 março, 2011

Da outra realidade

A brisa suave passa por meus cabelos como uma calmaria em tempos tempestuosos. Lembro-me de minha situação atual e o que fiz para chegar até ali. Quantos dias perdidos em uma busca que sequer chegou ao final. Não consegui achar a rainha Helena ao fim das contas, os sapos eram demais e demasiado grandes. Minha espada carecia de fio e obstáculos passavam por mim a todos os momentos. Não lembro ao certo se a luxúria esteve em meu caminho... Acho que esteve, mas não foi nada de relevante, afinal, no mundo globalizado de hoje, ter uma mulher deitada em sua cama não é algo que necessite das virtudes de um cavaleiro para ser concedido.
 Não confunda virtudes com as teorias daquele louco Maquiavel. O sentido atual da palavra serve para o que eu quis dizer. Procure em um dicionário, ou até na internet se quiser, mas provavelmente você já sabe o significado. Outra coisa interessante é a impenetrabilidade do castelo de Sir. Albert. Nunca me senti tão seguro em uma fortaleza na minha vida, há cachorros, torres, bananas e até brócolis para o máximo de segurança, mas não pretendo ficar por muito mais tempo por aqui não, pretendo voltar à minha busca assim que possível, rainha Helena precisa de mim e Sir. Albert prometeu me auxiliar como pudesse em minhas buscas.
Talvez eu vá pedir um corcel poderoso para ele... Talvez um Ray Ban ou até um Chevrolet, ainda não decidi a raça, mas os dois são muito bons e é difícil encontrar essa qualidade em qualquer outro lugar. Minha espada precisa ser afiada... Talvez eu peça para Zeus afiá-la para mim, Alah vai estar ocupado essa semana com o sinal de recepção da TV a cabo. Bom, a minha saída deve estar prevista para daqui uns 3 ou 4 séculos... Considerando razoável, já que estou aqui há 7.
Acho que tudo o que tinha para dizer foi dito, diga à mamãe que mandarei anchovas para ela de presente assim que puder... São boas para afastar mau olhado e para colocar na decoração de casa, e você, sinto muito não estar aí para ir ao casamento, com a quantidade de medicação que me dão aqui, não consigo nem andar em linha reta direito, mas se tudo der certo ainda poderei visitar você e seus almoxarifados...
Beijos, irmã
Sir. Jacques Silva


Paciente apresenta melhora significativa desde as últimas cartas escritas à irmã. A última frase demonstra uma quantidade de lucidez que não havíamos visto há pelo menos 10 meses, desde que ele foi internado pela primeira vez. Não recomendo a apresentação da carta aos familiares, principalmente pela parte final, precisamos evitar esse tipo de ressentimento grande, ainda com o casamento prestes a acontecer. Diminuir em dose mínima a medicação e acompanhar o paciente para verificar qual a freqüência dos momentos de sanidade dele.

Dr. Juliano Albert de Souza.