24 outubro, 2011

Da Dor


Finalmente aquele vazio se apoderou de meu peito novamente, meu passageiro sinistro, aquele único que me dá vontade de escrever. Não é que esteja faltando algo para mim, mas que algo tenha sido arrancado e em um só golpe meu coração se trincou em pedaços tão pequenos que nem se dá pra notar. Mas estão lá: Frágeis e doloridos os trincos estão lá lembrando-me a cada golfada de ar que insiro em meus pulmões. A dor voltou e não há um minuto sequer que eu não queira que ela se vá.

A intensidade com a qual me lembro de seu toque, foi há 5 minutos que estragamos tudo. Ela não intende minhas respostas diretas, minhas críticas súbitas, minha frieza aparente. Tento lembrá-la a cada segundo e quão desesperadamente e profundamente apaixonado estou, mas parece que não é o suficiente. Meu amor toma forma de carinho, admiração. Meus olhares carinhosos, meus toques cuidadosos e meus risos de malícia parecem não ser mais o suficiente. E enquanto me lembro, as lágrimas caem aos olhos.

Não consigo ver ponto em uma discussão na qual nenhum dos dois derruba estandarte, desiste da luta e parte para a trégua. Sinto-me ridiculamente lutando por uma folha de papel. A singela folha de papel que para mim não significa nada, mas para ela é tudo. Ajudem-me a entender por que o Amor sempre se machuca pelos motivos mais idiotas. Que num mundo não sentimental seriam tratados apenas como enganos, mas que a nós sempre acaba destruindo aos poucos.

Meu amor permanece o mesmo, intocado, inabalado, resplandecente como de costume, mas é meu coração que sofre as consequências, é meu emocional que se abala e sou eu que desmorono a cada palavra proferida contra mim. A minha vontade é sumir do mundo, mas assim que passa isso pela minha cabeça, lembro que se eu sumir do mundo não estarei com você.


Gabriel Vitor Tortejada

23 março, 2011

Da argumentação


 
          - É belo hoje em dia pessoas tentarem convencer umas às outras sem terem os argumentos corretos. O meu objetivo hoje é uma estrutura completamente diferente do que se conhece. Não quero me provar certo em nenhum momento, mas quero provar que vocês estão errados. Alguém me apresente um tema para argumentação por gentileza?
            A sala ficou quieta. Todos se olhavam enquanto o professor estufava o peito de inquietação. Ele sabia que teria que descartar alguns temas para não criar uma polêmica muito grande, mas sabia que a polêmica se criaria de uma maneira de outra, e que, de uma vez por todas, haveriam alunos odiando ele. Um aluno levanta a mão cheio de orgulho para expor o tema dele:
            - Se é ou não correto o casamento entre os homossexuais.
            - Pequenino nazista - disse o professor - não vou entrar nesses méritos, principalmente porque juízos de valor não são passíveis de comprovação ou não. Poderíamos até discutir se seria justa a legalização, mas essa discussão duraria muito e não nos levaria a nenhum lugar.
            - Aborto?
            - Você realmente quer criar polêmica aqui, né? Que tal ignorarmos questões que envolvem religião? Algo que já foi comprovado e que vai ser muito difícil que eu prove o contrário.
            Muitos alunos mantiveram suas cabeças abaixadas encarando o caderno em branco, mas Mariana, que estava folheando o livro de geografia teve a grande idéia:
            - Então, professor. Está aqui provado que a população brasileira está em tendência de queda, graças à mudança de cultura, a entrada da mulher no mercado de trabalho, a disseminação de contraceptivos entre outros.
            - Sim, - retrucou-lhe - mas como você vai provar isso?
            - Acabei de provar!
            - Não, você acabou de me explicar as causas, você acabou de ampliar o meu entendimento sobre a sua hipótese. Você tentou me provar algo com causas. Não se prova que alguém morreu porque o carro bateu, mas pelo fato de seu cérebro ter sido atingido, danificando o funcionamento do cérebro.
            - Professor, - Disse um outro garoto que se sentava perto dela - no livro de geografia tem um gráfico que comprova o que ela disse. mostra a comparação de uma pirâmide populacional dos anos 1950 com uma dos anos 2000. Demonstra que realmente há uma diminuição no número de filhos.
            - Perfeito, um dado incontestável. Mas o que resulta nessa diminuição dos filhos? Me falem do objeto que acertou o cérebro da vítima. Me fale o que está acontecendo nos casais, no que os contraceptivos, mulheres no mercado de trabalho, mudança de cultura interferiram?
            Mariana ainda não tinha se dado por vencida, apenas não tinha entendido a definição de fato, de prova que o professor Gabriel tinha solicitado, mas tinha entendido completamente o que ele tinha pedido a seguir, e não se conteve ao morder e estraçalhar a tampa da caneta que estava em sua boca quando levantou a mão para dar uma resposta:
            - Bom, ou os casais estão tendo mais menos filhos, ou alguns não estão tendo filhos por impotência ou por vontade.
            - Muito bom, Mariana. Concordo com os casais estarem tendo menos filhos, mas eu não concordo com a segunda parte. Sei que existem, mas não vejo razão nenhuma para acreditar nisso. Os casais não terem mais filhos simplesmente não faz sentido para mim.
            - Mas é óbvio, por causa dos contracepti...
            - Não caia no erro, já falei que esses dados são apenas para compreensão. Eu quero provas. Por exemplo em um livro, teriam tabelas e estatísticas. Porcentagens. Mas quero que você use o que lhe é palpável. Por exemplo no primeiro caso: Meus avós tiveram 4 filhos, meus pais, 2. Isso é uma prova em escala reduzida pois não podemos fazer pesquisas. Dê preferência para exemplos do passado, ou casais já mais velhos, para que assim possamos ter certeza que não vá acontecer um pequeno acidente ou uma mudança de idéia.
            - Eu não conheço ninguém.
            - Leu algum caso no jornal, viu na televisão?
            - Provavelmente...
            - Você quer provar, ou ponderar?
            - Eu não me lembro!
            - Então use casos que você se lembra!
            - Mas existe, você sabe!
            - Não é porque existem casos, que signifique que você possa provar. Eu quero que você prove. Todo mundo aqui sabe que existem casais que não têm filhos por opção. Mas eu quero uma prova, quero um dado.
            - Mas tá escrito aqui, professor, no livro!
            - Não, está escrito que os casais estão tendo menos filhos proporcionalmente, mas isso não prova que existem casais que não têm filhos.
            - Lógico que prova!
            - Isso é uma conclusão que você está tendo do contexto geral, mas se você quiser sobreviver no mundo acadêmico em um futuro próximo, você tem que documentar tudo o que fala, ou simplesmente não falar.
            - Mas eu nunca vou conseguir provar isso aqui, e agora... Eu teria que pesquisar!
            - Essa é a idéia. Se você quer levantar hipóteses, levante hipóteses em discussões, não fale suas conclusões como se fossem verdade. Deixe claro que são apenas interpretações suas, ou as documente muito bem, para que sejam muito difíceis de serem batidas. É óbvio que existem casais que não querem, e não têm filhos, mas se você não consegue provar, não fale, ou fale que provavelmente há.
            - Não vou medir minhas palavras assim, toda vez que for conversar com alguém!
            - E não há necessidade mesmo... Talvez apenas comigo.
            O sinal tocou, encerrando a aula. Grande parte dos estudantes foram fumar, ir ao banheiro e outros... Outros simplesmente foram fazer outras coisas que não cabe a mim discutir aqui, pois não tenho dados suficientemente precisos para dizer se dessa vez foram ou não.

09 março, 2011

Da outra realidade

A brisa suave passa por meus cabelos como uma calmaria em tempos tempestuosos. Lembro-me de minha situação atual e o que fiz para chegar até ali. Quantos dias perdidos em uma busca que sequer chegou ao final. Não consegui achar a rainha Helena ao fim das contas, os sapos eram demais e demasiado grandes. Minha espada carecia de fio e obstáculos passavam por mim a todos os momentos. Não lembro ao certo se a luxúria esteve em meu caminho... Acho que esteve, mas não foi nada de relevante, afinal, no mundo globalizado de hoje, ter uma mulher deitada em sua cama não é algo que necessite das virtudes de um cavaleiro para ser concedido.
 Não confunda virtudes com as teorias daquele louco Maquiavel. O sentido atual da palavra serve para o que eu quis dizer. Procure em um dicionário, ou até na internet se quiser, mas provavelmente você já sabe o significado. Outra coisa interessante é a impenetrabilidade do castelo de Sir. Albert. Nunca me senti tão seguro em uma fortaleza na minha vida, há cachorros, torres, bananas e até brócolis para o máximo de segurança, mas não pretendo ficar por muito mais tempo por aqui não, pretendo voltar à minha busca assim que possível, rainha Helena precisa de mim e Sir. Albert prometeu me auxiliar como pudesse em minhas buscas.
Talvez eu vá pedir um corcel poderoso para ele... Talvez um Ray Ban ou até um Chevrolet, ainda não decidi a raça, mas os dois são muito bons e é difícil encontrar essa qualidade em qualquer outro lugar. Minha espada precisa ser afiada... Talvez eu peça para Zeus afiá-la para mim, Alah vai estar ocupado essa semana com o sinal de recepção da TV a cabo. Bom, a minha saída deve estar prevista para daqui uns 3 ou 4 séculos... Considerando razoável, já que estou aqui há 7.
Acho que tudo o que tinha para dizer foi dito, diga à mamãe que mandarei anchovas para ela de presente assim que puder... São boas para afastar mau olhado e para colocar na decoração de casa, e você, sinto muito não estar aí para ir ao casamento, com a quantidade de medicação que me dão aqui, não consigo nem andar em linha reta direito, mas se tudo der certo ainda poderei visitar você e seus almoxarifados...
Beijos, irmã
Sir. Jacques Silva


Paciente apresenta melhora significativa desde as últimas cartas escritas à irmã. A última frase demonstra uma quantidade de lucidez que não havíamos visto há pelo menos 10 meses, desde que ele foi internado pela primeira vez. Não recomendo a apresentação da carta aos familiares, principalmente pela parte final, precisamos evitar esse tipo de ressentimento grande, ainda com o casamento prestes a acontecer. Diminuir em dose mínima a medicação e acompanhar o paciente para verificar qual a freqüência dos momentos de sanidade dele.

Dr. Juliano Albert de Souza.

04 novembro, 2010

Nazismo e outras brilhantes façanhas


Qual o limite da mediocridade e ignorância de uma população que se considera a elite intelectual do país? E não leve mediocridade como está nos dicionários, leve pelo lado pejorativo que esse termo recebeu na linguagem oral. Parece que a competitividade das pessoas se tornou algo muito sério, daqui a pouco se torna uma patologia. A briga por partidos e ideais se tornou ainda maior do que a ideologia nos permite chegar hoje em dia, e a briga acaba por trazer consigo uma xenofobia (se é que se pode falar isso de pessoas do próprio país) e um preconceito enormes. O que leva uma adolescente a postar na internet mensagens de ódio e desrespeito por uma população ligeiramente diferente da dela? O que a difere dos movimentos totalitários que existiam na Europa na primeira metade do século XX? Saibam que um grande movimento desses surgiu de um partido político, o Partido Nacional Socialista. Essas palavras lhes lembram algo? Esse partido graças à sonoridade alemã ficou mais conhecido como Partido Nazista.
            O que houve? Há algo de errado com o seu estômago? Com o meu também, mas não com as atrocidades que os nazistas cometeram com os judeus, - que moravam no mesmo país que eles - mas com a pregação de ódio que estão fazendo hoje em dia com os mesmos ideais e objetivos pelos quais lutava um dos homens mais odiados da história. Como pode uma geração que foi acostumada a olhar para esses homens de maneira odiosa seguir seu exemplo? Isso é algo que não passa pela minha cabeça de nenhuma maneira.
            Pelo que nossos pais ou avós lutaram nas décadas de 60 e 70? Por liberdade? Por democracia? Bom, nada é perfeito, mas isso é o máximo de democracia que conseguimos em décadas. É o máximo de liberdade que podemos ter considerando os tempos atuais. Qual o problema da democracia? A maioria das pessoas não consegue viver democraticamente por causa de seus egoísmos constantes. Acha exagero, besteira? Então porque você simplesmente não luta pela democracia e aceita a escolha popular? Para de criticar pela batalha vencida e deposite seus olhos e críticas para o governo que vier. Deposite sua confiança, e cobre de volta por ela, pois assim que você consegue fazer com que um país vá para frente.
            Sim, nessas eleições eu votei no candidato derrotado. E com certeza votaria de novo, mas não me considero vencido. Eu considero que o candidato que mais se assemelhava aos meus pensamentos acabou por ser derrotado e eu não vou gritar por isso, pois não é vinha vida que vai desmoronar por uma mudança política. E você que teve seu candidato vencedor, não se acomode. Não é porque você escolheu essa pessoa para estar no poder que quer dizer que você vá gostar de tudo que ela vai fazer, cobre, lute, grite. Não aceite as coisas como vão ser. Tente fazer parte desse pequeno futuro.
            É assim que se faz política, escolhendo que mais te agrada e lutando para que o que você queira aconteça. Pois nenhum homem ou mulher de terno pode nos impedir de conseguirmos o que queremos, apenas a nossa falha ao agir. Ouvi há muito tempo uma frase em um filme que se encaixa nesse perfil. Vou optar pela versão na qual o protagonista do filme discorda, mas eu concordo plenamente: “(...)o mal prevalece quando os bons homens falham em agir”. E esse mal não é o diabo ou a maldade, é a situação que te causa desespero e sofrimento.
 
Gabriel Vitor Tortejada

25 outubro, 2010

Daquilo que não entendo

Sou profano à maneira que devo ser
Tão terreno e seguro.
Frio assim como a lua
e morto assim como a rocha.

És sagrada de maneira que não entendo,
Fazes-me venerar-te,
És quente como o sol
E viva como os anjos.

Não sei ao certo como juntá-los,
O profano e o sagrado,
O céu e a terra,
A lua e o sol.
Mas até agora fiz com sucesso.
São nos clichês que nasce a poesia.

Gabriel Vitor Tortejada

06 outubro, 2010

As viagens dos sem mundo

Bom, faz um tempinho que eu não posto nem escrevo algo novo, então vou postar uma coisa que já estou escrevendo há um tempo:

Prólogo


Aos poucos o carro funerário se afastava de onde Gabriel estava. Aquele havia sido um dia ruim, possivelmente o pior. Uma mulher em um terno feminino azul marinho, de segunda mão, segurava sua mão com profissionalismo. Ela já havia feito aquilo várias vezes antes. O coração do garoto pulava no peito enquanto seu cérebro ainda não tinha digerido tudo o que acontecera. Era inaceitável, imponderável. Ele ainda não chorara. Talvez porque ainda não sentira sua falta. Às vezes demora um pouco para que as pessoas realmente sintam falta de alguém que perderam. Esse era o caso dele.
            Aos 11 anos ele já era muito maduro para a sua idade. Já se acostumara com o fato da morte desde os nove. Sabia que sua mãe não duraria muito e deveria estar preparado para aquilo. Chorara na noite do diagnóstico e prometeu a si mesmo que não choraria nunca mais, que provaria à sua mãe que era homem, que era o homem que ela deixaria no mundo para cuidar de si mesmo. Uma pessoa que ela poderia deixar sem peso no coração. Apesar de tentar se preparar, ninguém se prepara para um momento desses. É possível dizer que eram muitas informações na cabeça dele, e para se acostumar levaria um tempo.
            A mulher do serviço social intimou-o para entrar e pegar o que pudesse carregar da casa que mais tarde alguém iria lá buscar o restante das coisas importantes para ele. Dirigir-se-iam naquela noite à casa da tia dele – Uma mulher de meia-idade, beata, viúva e caridosa – que o esperava ansiosamente já que tomaria conta dos bens preciosos que ele herdara.
            A porta rangeu como sempre. Antigamente era um rangido amigável, quase que um bem-vindo ao lar, mas especificamente naquela ocasião incomodou Gabriel um pouco. Aquele ambiente onde acabara de acontecer um velório o incomodava muito. Apesar de todos os sentidos dizerem-lhe o contrário, continuou andando com esmero pelo piso de taco brilhante da casa até chegar ao pé da escada. Sabia que aquela seria a última das subidas para o segundo andar. E não seria com a felicidade usual, com os semi-pulinhos de alegria e de mãos dadas com a mulher que mais amava em todo o mundo.
            O quarto dele pouco importava. Não se preocupou ao menos em abrir a porta e dar uma última olhada. Dirigiu-se diretamente ao quarto da mãe – lá embaixo a mulher impaciente apressava-o com alguns fonemas animalescos. Várias fotos distribuíam-se por todas as estantes do vasto quarto. Fotos dos dois, fotos de felicidade. Olhou diretamente para a escrivaninha de trabalho dela. Aquela era uma visão estranha, estava completamente arrumada e sem nenhuma mancha. A maleta com todas as tintas e lápis da mãe estavam lá esperando para serem pegos. E foram. Agarrou também um porta-retrato com uma foto dos dois e notou algo estranho. Tinha uma estante com uma gaveta no canto e estava sempre trancada. A chave estava na tranca naquele dia.
            A curiosidade tomou-o de uma maneira interessante. A mãe sempre pedira para que ele não mexesse naquela gaveta, e sua fidelidade sempre fora incorruptível até aquele dia. Aproximou-se com cuidado, girou a chave ouvindo o ruído com prazer e deslizou calmamente a pequena gaveta. Os grunhidos da moça que o acompanhava começavam a se tornar incômodos e resolveu apressar-se. Só tinha um livro de tamanho razoável dentro do compartimento; acabamento antigo e sem título. Era verde musgo e linhas douradas o contornavam por inteiro. Tomou-o para si colocando na mochila que carregava nas costas.

            A casa da tia não era nada do que imaginava. Não era nem casa! Viu de longe um grande monumento que primeiramente pensou ser um dos totens de uma das histórias de sua mãe. “É muito largo para ser um”, pensou em voz alta. Um grande retângulo alto com muitos retangulinhos menores e paralelos por toda a lateral. Ele não imaginava como alguém poderia morar em um lugar assim. Imaginava se havia uma casa no topo desse monumento, e se tivesse como chegaria até lá. Convenhamos, era muito alto.
            Logo descobriu que aquele lugar era oco e chamavam de prédio. Para alguém que morou nos subúrbios e tinha estudado a vida inteira em casa com a mãe, não teve contato com tudo aquilo. Mas lembrou que já tinha ouvido falar daquele tipo de construção, mas imaginava algo um pouco mais bonito. Alguma coisa como as figuras da arquitetura romana que via com a mãe.
            Entraram os dois, Gabriel e a assistente social, numa caixa que se movia de cima a baixo. Era um elevador. Ele se sentia extremamente incomodado com aquele ambiente, era assustador. Chegaram a um corredor extenso cheio de portas, era sujo, cinza. Por todos os lados fixados à parede extintores de incêndio eram vistos – sabia o que era pois a mãe desenhara um uma vez.
            A porta escolhida estava toda manchada, tons de madeira mudavam de dégradé por causa da umidade do lugar. Reluzia na porta o número do apartamento: 137. Dois números do azar em uma só porta, só podia ser brincadeira. O barulho seco das batidas da mulher ecoou por todo o corredor até a tia em si abrir a porta. Muita gente podia dizer muito bem de muita coisa da Tia Anastácia, mas se existia uma coisa que faltava nela era beleza. A criança não entendia como uma pessoa poderia ter um nariz tão grande e ao mesmo tempo olhos tão pequenos. Uma senhora idosa com cara de bruxa, isso sim era ela.
            - Ele está em suas mãos, – disse a assistente social - essa semana volto para dar uma olhada em vocês e para finalizar a papelada da guarda.
            “Semana?! Guarda?!”, sentiu-se completamente consternado. Passaria uma semana naquela casa e ainda por cima depois ficaria para sempre. Definitivamente morar em um totem não estava em um dos seus pouco gananciosos planos. Anastácia guiou-o para onde disse que seria seu quarto. Uma cama, uma cômoda e um baú velho. Em cima da cômoda havia todo o tipo de acessórios cor-de-rosa como escovas para cabelo, elásticos, esmaltes, pó facial. “Quarto de menina”.
            - Tia, de quem é esse quarto?
            - É da sua prima, Gabriel, mas não se preocupe, ela irá dormir no quarto do irmão para que você tenha um pouco mais de privacidade.
            Não me admira que os problemas começaram nesse meio tempo. Gabriel mesmo achou que aquilo não seria uma boa idéia. A idéia de fugir de um lugar que ele mal chegara era muito sedutora em sua cabeça, mas decidiu ver até onde as coisas iriam e como iria viver naquela casa com pessoas que costumava ver uma vez ao ano. Mas ainda assim sentiu como se tomar aquele quarto para si não seria uma boa idéia para si ou para alguém.
            Tia Anastácia deixou-o sozinho no quarto com sua mala para que se instalasse. Pegou os últimos traços de menina daquele quarto e jogou num grande saco de lixo. Sentiu pena da menina a qual acabara de roubar o quarto, ela perderia sua privacidade e seus brinquedos.
            A mala foi aberta por um motivo único, para que ele pegasse o retrato que havia recuperado de casa. Deitou-se na cama com o retrato apertado ao peito, ouviu-se um grande ruído de molas no ato, algumas lágrimas escorreram pelo rosto pálido e magro do garoto e os olhos foram se fechando aos poucos. Sem nenhuma intenção acabou adormecendo naquele quarto estranho e indiferente da rua Vieira Diniz 66, no bairro de São Vicente, na cidade de Santa Cecília e na República de Todos os Santos.


Gabriel Vitor Tortejada

26 agosto, 2010

Da Liberdade


Afasta-te de mim, sonhar tão são!
Não mais ao teu olhar tão frio por perto!
De mim a morte queres? És em vão!
Meu amor roubar? Não estejas tão certo.

Ah! Razão injusta que assola meu mundo!
Cansei de pensamentos calculistas,
Do pessimismo que destrói bem fundo
E o que mais machuca, minhas palavras.

Metafísica me atrai como nunca.
Minha frieza, que agora caduca,
Entrego sem piedade para as fúrias!

Sem nenhuma métrica sem sentido,
Esquecerei do coração partido
E irei para as noites enluaradas!


Gabriel Vitor Tortejada & Athina Liane Moraes

09 agosto, 2010

Indagações da Madrugada

           Uma dor intensa abate meu coração intensamente essa noite. Uma dor avassaladora e incontrolável que só vem por um motivo: Sensação de impotência. Diante de coisas costumeiras que pessoas se habituaram a ignorar repartem meu ego em milhões de pedaços fazendo-me sentir a pior pessoa que existe nesse mundo repleto de hipocrisia. Sentir-se o pior dos hipócritas não é algo agradável.
            Quais são as impotências as quais me refiro? A falta de 1 soldo para pagar um lanche para a menina que desesperadamente tenta saciar a fome. A falta de ação, idéias para ajudar um cachorro que dorme sozinho em um ponto de ônibus. Tremendo de frio. A sensação de que eu poderia ter feito, ou poderia até fazer algo mais para ajudar um amigo que passa por dificuldades extremas no momento.
            Às vezes eu esqueço que nem todas essas coisas são de minha responsabilidade ou aconteceram por minha causa, mas não é possível para minha pessoa simplesmente ignorar o sofrimento alheio. Seja alguém que eu conheça, que eu não conheça ou simplesmente um ser dócil que não se comunica com a humanidade. Mas há outras coisas que me afligem que sinceramente são de minha responsabilidade.
            A impotência de demonstrar apropriadamente o quanto amo a pessoa que a sociedade chama de minha namorada, que para mim, é muito mais do que simplesmente um rótulo. A fraqueza ao recorrer a um vício mundano recorrendo à desculpa de ter prazer com esse hábito e não podendo largá-lo. E a simples vontade não retribuída de modificar a minha existência e hábito de procrastinação.Mudar às vezes não é fácil, mas querer sem poder é uma dor significante.
            Há coisas que faço de pura hipocrisia também, de uma maneira que se eu não o fizesse, me sentiria mal, tímido. Como aconselhar uma amiga sobre filosofia, teologia, literatura e coisas do gênero tendo certeza que ela mesmo tem maior bagagem e conhecimento do que eu mesmo. Mas, se ela pede o meu conselho, o que devo fazer? Negar?
            A sociedade me impôs máscaras que só me machucam a cada momento de minha vida. A existência me trouxe um comportamental que só me incomoda a cada vez que expiro o ar de meus pulmões. A frustração me proporcionou uma maneira de esconder meus sentimentos para evitar que me machucasse novamente. Assim, ferindo os outros e levantando ira sobre mim mesmo. Cada molécula do meu ser me incomoda, cada pedaço de consciência deseja a inexistência, mas a covardia me impede de seguir meu plano inconsciente.

Gabriel Vitor Tortejada

04 agosto, 2010

Conselhos falidos


            Que motivo você teve para viver hoje? Sério, se você não pôde pensar em nada além de trabalhar e comer, eu tenho pena de você. Agora você me pergunta, que motivos eu tive para viver hoje? Eu diria vários. Mas eu não consigo pensar em nenhum agora, então vamos seguir em frente.
            Você olhou para o céu hoje? Mas não para saber de onde veio aquele barulho, ou para xingar a pomba que acabou de defecar na sua camisa favorita, mas olhar simplesmente por olhar. Para contemplar a infinidade e beleza do há por cima de nós, nada mais. Curioso, acabei de lembrar um dos motivos que eu tive para viver hoje: “Contemple o ignorável.”
            Você deu risada hoje? Claro que sim! Se não, cuidado. Mas, quem você fez rir hoje? De quem você tirou aquele tímido sorriso de obrigado ou aquela gargalhada de contentamento? É, você está sendo egoísta. Há sempre alguém necessitando de sua ajuda e você está aí preocupado com o relatório que deve entregar amanhã, ou o estudo que vai ficar atrasado por mais um dia. Olha aí mais uma coisa que eu fiz hoje, contei uma piada para que precisava ouvi-la. Vamos resumir isso: “Empalhace-se.” Confuso? Pense um pouquinho que entenderá.
            Por quantos mundos você viajou hoje? Nenhum? Cara, você realmente tem problemas. Eu simplesmente perdi a conta. Gibis, televisão, livros, passado, futuro, alternativas... Eu viajei por todos esses só pela minha cabeça, só vendo a minha participação em cada um deles. Usei a imaginação, criei diálogos, materializei personagens. Claro, em minha mente, esquizofrenia não é um mal do qual eu sofro. Vou resumir mais uma vez: “Consuma-se em sua própria imaginação.” Afinal, não são apenas crianças que fazem isso, são os felizes.
            Se elogiou hoje? Nem eu, auto-ajuda não é comigo. Auto-aproveitamento é algo do meu feitio. Aproveitar meu dia e dar valor à minha existência são coisas que eu gosto de fazer. Mas, continuando: Dirigiu acima do limite de velocidade? Sem cinto? Você é um idiota. Isso não é dar valor à vida, e sim arriscar perdê-la por qualquer motivo estúpido. Se seu avô estiver tendo um ataque cardíaco no banco de trás eu o perdôo. Imagina que legal esse pronome em ênclise? Perdôo-o, meu filho. Interessante. Se você quer adrenalina vá a um parque de diversões, se você quer perigo, coma com uma faca com ponta! Não há sentido em se arriscar a perder a existência. Chegamos a mais uma conclusão: “Não se arrisque, idiota!” Afinal, a morte está à espreita o tempo inteiro, para que dá-la uma chance de trabalhar?
            Cansou-se de minha filosofia barata e conselhos ridiculamente positivos? Eu me admiro de você ainda estar lendo esse texto, caro leitor. Estou escrevendo apenas para dividir o que eu faço e passar o tempo. Não faço questão de saber que você não gostou do texto, assim como você não deveria ligar para minha opinião. Esses são meus 5 mandamentos. Não são 10 porque não sou ambicioso, mas são os 5 que permitem que eu aproveite cada dia. Eu sigo apenas esses para ter uma vida confortável, eu sigo esses cinco para o meu bem-estar e o de outros, pois eu acredito que não terei outra chance além da que estou tendo agora. Eis o meu último mandamento: “Não perca tempo com idiotas.” Tire suas conclusões.


1-      “Contemple o ignorável.”
2-      “Empalhace-se.”
3-      “Consuma-se em sua própria imaginação.”
4-      “Não se arrisque, idiota!”
5-      “Não perca tempo com idiotas.” Como esse aí em cima.


Gabriel Vitor Tortejada


Erros grotescos de português corrigidos, eu acho(que todos). 

27 julho, 2010

Do luar


À lua, as coisas acontecem.
O sangue escorre,
Mas os amores se aquecem,
Há um homem que morre
E ainda assim sentimentos florescem.

À luz da lua revelou-se minha amada.
Não de maneira platônica nem desconhecida,
Revelou-se quem há muito por mim era beijada
E mesmo assim a tempestade não era nascida.

Em meio ao terror
Encontrei o torpor,
Apareceu-me a flor,
Senti fundo o amor.

Encontrei-me por dentro aos prantos,
Quebrando as estruturas que lutei para criar,
Caíram fortes e portas em pequenos atos
Que tanto tentei evitar.

Meu interior estava assim, trancado.
E com um simples toque no coração,
Concedi a mim mesmo o perdão
E ela então me fez apaixonado.

Nas noites que eram então dos assassinos,
Dos monstros, dos sem pudor,
Encontrei a salvação de meus sonos.
Por saber finalmente o que é o amor.

As noites são nossas e de mais ninguém.

Gabriel Vitor Tortejada

06 julho, 2010

Back from the fight


We fought through several years,
Looking for our honor
In the hands of our enemies.
We’ve lost ourselves in the despair
Until find out that we’ve lost in our victory.

The blood of the man is still in our hands,
Our cruelty was clear in the moment of our death.
We regret for our misery as well as the others,
We did everything we could to show them
How weak was our strength.

We came back home, with bloody swords in our hands
And with the cheers of a great people
We realized how foolish we were.
To follow a man who was thrown in a fight
That wasn’t even his.

By the honor we’ve got in the battlefield,
We decided to declare peace,
Against our ruler's will,
We established peace
With a king’s head on our walls.

Gabriel Vitor Tortejada

29 junho, 2010

Da idealização

Ele acorda de pulo em uma cela de prisão. Não lembrava quem era, de onde vinha ou o que fazia lá. Só tinha um nome na cabeça: Mary Hegel. Cada vez que repetia aquele nome, sentia-se quente, como se algum sentimento existisse dentro dele por alguém que não conhecia. Ou pelo menos não lembrava de tê-la conhecido. Gritou contra as grades, gritou para as paredes, pois não havia ninguém no lugar. A delegacia estava completamente vazia. Algo estranho estava no ar.
          Bateu inúmeras vezes no portão até descobrir que estava aberto, andou sorrateiramente esperando ser abordado a qualquer momento. Nada aconteceu. Na recepção, nenhuma alma viva, apenas uma televisão transmitindo um filme em preto-e-branco. Ponderou que tipo de canal colocaria isso no ar de tarde, e sentiu pela primeira vez o frio na espinha da situação desconhecida que estava enfrentando. Como ninguém o impedia, simplesmente saiu. Para a liberdade, ou não.  
          A rua estava vazia. Semáforos trabalhavam para carros invisíveis em tráfego, os únicos carros que estavam na rua, permaneciam estacionados e nenhuma alma viva para tirá-los do repouso. A viatura estava com a porta aberta e a chave no contato. A adrenalina subiu quando entrou no veículo, estava assinando seu retorno à cela, apesar de não haver nenhum policial, ou melhor, nenhuma pessoa à vista. Abriu o porta-luvas por instinto, encontrou uma pistola, empunhou-a e de repente flashes de memória acertaram-no como um caminhão.
            Sabia usar aquele objeto. Conhecia o peso, as medidas, sentia-se confortável com ele em sua mão. Considerou ser policial, acordar numa delegacia, saber manusear uma arma policial, mas considerou também o oposto, seja lá qual for, o que desejava em suas entranhas para não ser. Não houve necessidade de arrumar os espelhos ou o banco, estava tudo na perfeita posição para ele. Decidiu dirigir, sem destino, sem conhecer por onde andava, simplesmente dirigir à esmo. Guiou instintivamente, como se tivesse feito isso por toda a vida.
            Perdeu sua percepção de tempo, e para ajudar, seu relógio estava parado. Pela primeira vez reparou a si mesmo nos espelhos. Apresentou-se à sua face enquanto mais um turbilhão de memórias chegavam ao seu ser. Infância, mãe, pai, amigos. O passado inteiro encontrou-se com ele sem ao menos lhe dizer um nome. Ninguém nas ruas, já dirigia há horas - sem perceber - e de súbito decidiu parar.
            Estava no subúrbio de frente para uma casa comum de dois andares, mas o comum não o convenceu, teve que entrar. A porta rangeu alto em sua entrada, fotos estavam espalhadas por todo o saguão, fotos de família, fotos de uma mulher: Mary Hegel. A cada vislumbrada de seus lindos olhos verdes e cabelos cereja seu coração se enchia, suas pernas tremiam e sabia que a amava, só não sabia como e nem quem ela era.
            Decidiu ir ao quarto. O aroma da mulher estava em todos os lugares, ele sentia a sua presença lá. A via sentando-se em frente ao espelho, se trocando, dormindo. Mas havia algo de errado. Suas coisas estavam encaixotadas, tinha algo errado. Ela estava se mudando? O pior? Novamente suas memórias entraram em colapso e flashbacks passaram por sua cabeça. Corria abraçado com ela, ele estava mancando, tinha uma arma na mão. O dois estavam fugindo de alguém e, em um pulo temporal, vê o corpo dela estendido no asfalto, sangue para todos os lados, um pequeno orifício na lateral da testa. Ela estava morta.
            Por um segundo se ajoelha no chão e começa a chorar. Fecha os olhos com muita força e soca o chão com a raiva imensa que sentia, mas o chão mudou de textura. Era grama. Abriu os olhos para ver uma imensa lápide com os seguintes dizeres: Mary Hegel - filha e esposa. De onde vinha todo aquele amor? Será que ele era o marido de Mary? O que acontecera de fato com ela? Então uma voz vindo de trás responde essas perguntas:
            - O interessante é que você realmente não entendeu nada do que se passou nesse tempo que você vagou na cidade.
            - Quem é você? Em que lhe interessa a minha vida?
            - Ora, me interessa, e muito. O que me surpreende é você não ter percebido que morreu. E não ter percebido também que a causa da morte dela foi você. O anjo da morte estava lá para levar os dois, e esse anjo fui eu.
            As memórias ficaram claras finalmente, o homem não amava Mary, mas foi pago para matá-la. Ele a seqüestrou, mas ela estava sendo vigiada e aconteceu uma perseguição policial contra ele. Matou a mulher sem piscar, pouco antes de ser executado pela polícia.
            - Você a matou por dinheiro, assim como outros antes dela. E é por isso que você está aqui, esse é seu paraíso, sem pessoas, sem nada. E o único amor que você jura ter foi implantado para que seu sofrimento nesse lugar seja ainda maior. Você nunca a amou. Simplesmente ama agora porque gosto de sua agonia. Aproveite a eternidade.

Gabriel Vitor Tortejada


17 junho, 2010

Onde chegamos?

Não há limites para a idiotice. E mesmo que houvesse, duvido que alguém um dia preveria por ser um limite extremamente grande. Eis que apresento a personagem: Juliana, 27 anos e muita vida pela frente. Suas burradas nunca foram tão grandes quanto a da noite passada. Apresentava-se ao trabalho cedo, fazia todas as tarefas com louvor e empenho, nunca existiu nenhum obstáculo que pudesse impedi-la de realizar seu trabalho. Mesmo com dificuldades apresentava-se uma excelente funcionária e nunca falhava.

Estava no escritório há 6 meses. Impressionava a todos com sua capacidade de administradora e não era raro ser chamada para reuniões sociais pelos funcionários da empresa, esse foi o problema. Sempre extrovertida, fazia amigos com facilidade e acabou por se aproximar de seu chefe, Anselmo, em um relacionamento cordial. Até o dia em que um happy hour foi marcado. Estavam todos num bar, dividindo drinks e conversando animadamente. Enquanto o nível etílico se elevava, a conversa se tornava a cada passo mais pessoal.

Anselmo e Juliana trocaram olhares e, antes que percebessem, estavam aos beijos em um canto obscuro próximo da mesa de bilhar. Sorte dos dois que a maioria do pessoal da empresa já tinha se retirado, já que o happy hour acabou se prolongando para o início de uma madrugada. Infelizmente para a mulher, tinha esquecido da posição hierárquica que se mantinha na empresa e como sua posição naquela sala confortável estava em risco. Anselmo também respondia a alguém. Todos têm um chefe de alguma maneira. E a partir daquele momento os dois estavam na berlinda quanto ao emprego.

O chefe, casado. A funcionária, há uma assinatura do divórcio. As coisas ficaram mais claras quando Juliana voltou para casa para ter uma conversa com sua mãe, que estava sóbria. A expressão de espanto da mulher era legível até para um cego. Não havia palavras o suficiente para descrever  a ação impensada da filha. E também ações para que fosse resolvida a questão. Ela tinha violado uma regra que, de tão explícita, ninguém fala sobre: Não se relacionar afetivamente com colegas de trabalho, principalmente o seu chefe.
 
Como chegamos ao presente, não há solução para a questão levantada. Não há acontecimentos que digam o que aconteceu com Juliana, mas uma frase que sua mãe falou é uma ótima conclusão para o caso descrito aqui:

- É mais fácil um camelo passar por um buraco de agulha, do que um imbecil entrar no reino dos céus.

Gabriel Vitor Tortejada

13 junho, 2010

Negros da Terra

No dia de ontem passamos por uma das piores tempestades da viagem. O percurso nem é tão longo ou difícil, mas parece que os olhos de Deus estão sobre nós em nossa empreitada. Não entendo como pode Ele estar bravo conosco apesar de suas sagradas escrituras nos dizerem que podemos tomá-los como nossos escravos. Não me orgulho de nossa crueldade, mas são filhos de Cam, filhos de Canaã, são escravos destinados por Noé, é o que está em suas escrituras. Ou pelo menos o que nosso padre nos diz. Senhor, desculpe-me por não ler teus escritos, mas tenho que trabalhar, dependo do atlântico, dependo dos pretos, dependo de nossa crueldade para alimentar minha prole lá de volta na mãe luzitana.

A tempestade foi cruel, quase viramos e alguns homens estão morrendo do mal da Angola. Viemos de um porto diferente, não entendo como nossa tripulação foi afetada, mas eu ainda não adquiri nenhum do sintomas e temo pela minha vida. Estamos há 30 dias no mar nada de costa, mas vi aves voando ao longe e presumo que já estamos perto. Espero que não tenhamos que jogar a mercadoria no mar como da última vez. Apesar do dinheiro do seguro, detesto ver as expressões de desespero daqueles homens que sequer entendem o que está acontecendo, mas, quem sou eu para me levantar contra isso? Sou apenas um mero marinheiro que limpa o chão do barco, nada mais.

Seguimos em direção de Noronha, mas vimos franceses seguindo em uma direção diferente. Parece um navio de mercadorias. De acordo com o capitão eles estão indo para algum lugar perto da capitania de São Vicente, mas ouvi rumores que eles aportam em Ubatuba e negociam com os índios contrários à nossa coroa. Não sei se piratas, mas com certeza são perigosos.

Rezo pela alma dos pretos no nosso navio, pois ao contrário de nossa igreja, não acho que são impuros ou infiéis. Os índios canibais é que são, eles são apenas desenformados e não há como lhes mostrar o nosso Deus se não conhecem a nossa língua. De qualquer forma torno a falar que rezo pela alma deles, que com certeza as têm, pois sei que na hora da morte irei para um lugar muito pior do que eles irão.


Gabriel Vitor Tortejada

23 maio, 2010

Da tempestade

Falei por três vezes,
Sem pensar, entusiasmado.
Falei de maneira incoerente,
No ápice do tempo,
No ápice do calor.

Sonhei que falei mil,
Ainda que assim não tenha sido.
Pensei em não falar,
Mas o peito não agüentou.
Ele gritou ardente.

Falei três vezes sem razão,
Esqueci das filosofias e enchi meu coração.
Falei três das quais uma foi correspondida.
Das três essa foi minha favorita.

Falei ao Mar da tempestade que causou em mim.
Resumi tudo em uma palavra menor.
Disse ela três vezes.
Eis que na minha vida então,
Estive certo apenas essas três.

Gabriel Vitor Tortejada

06 maio, 2010

O Ladrão de Ases - Outra visão

- Maria! Vem aqui sua vagabunda! Não pensa que eu não sei o que você fez, porque eu sei sim! Sabe aquele porteirinho lá? Tá morto, tá morto. Assim como você, sua vadia!

Já está na hora de sair daqui. Não é um momento oportuno para ninguém estar aqui. Apesar do costume me mandar ignorar o fato de que um potencial homicídio está para acontecer, não conseguiria continuar aqui sem que me levasse à morte tentando impedir a daquela moça. Um erro não justifica o outro, eis o que minha avó sempre dizia.   

Todos os tipos de artigos diferentes vêm à minha cabeça para explicar quantos crimes esse homem está cometendo de uma vez só. Não há artigo que descreva a realidade, isso é fato. As tentativas de meus pais me tornarem advogado me frustram a cada momento que vejo o quanto somos irracionais e que de irracionais não merecemos julgamento nenhum, merecemos a cova.

O vento bate em meu rosto acolhedoramente naquela noite quente. A liberdade se coloca à minha frente sem nenhuma restrição. O que me restringe é a morte que anda ao meu lado enquanto piloto a motocicleta. A cada desatenção minha recebo um toque gélido no meu ombro me lembrando que não devo errar, que não é a minha hora, que o aviso é bem vindo mas não vai me impedir da morte prematura. A morte é amiga, ela me avisa que ainda não é hora.

Chegar em casa é reconfortante e desconfortável ao mesmo tempo. Estou seguro, mas longe da minha vida. Não me sinto vivo em casa de rico. Mesmo que seja a minha própria. O entrar sem fazer barulho é o mais difícil, mesmo que não adiante nada. Meu pai está me esperando na sala, o que não é surpresa nenhuma já que ele descobriu onde passo meus dias após a faculdade.

- Onde você estava? - Começou ele uma discussão silenciosa.
- Como se você não soubesse.
- Quero ouvir da sua própria boca.
- Por que? O seu detetivezinho particular não disse o local exato?
- Que você estava naquela favela? Claro que disse. João, o que você faz naquele lugar? São drogas? É      uma vadia qualquer? Eu quero entender.
- Você não entenderia.
- Tente!

Ative-me a olhá-lo com desprezo. Ele me insultava com aquele papo de mulher, de drogas! Eu não precisaria ir para a favela todos os dias para nenhum desses dois casos. Sua barba escondia a forma de seu queixo, gotículas do uísque que tomava ficavam em seu bigode. O rosto demonstrava cansaço nitidamente, mas sua hipocrisia em tentar ajudar a vida do filho impedia que ele dormisse sem saber de onde vinha a minha felicidade. Que felicidade.

- Eu realizei o seu sonho ao entrar na faculdade de direito, agora me deixe viver minha vida da maneira que eu bem entendo.
- Eu só quero o que é melhor para você!
- Então você faria muito mais por mim do que apenas ser pai!

Não espero uma resposta, o quarto me chama pelo conforto, pelo sono. E pela solidão. Aos meus últimos passos antes da porta ouço choro vindo da sala. Não me interesso em olhar para trás.

Gabriel Vitor Tortejada