13 junho, 2010

Negros da Terra

No dia de ontem passamos por uma das piores tempestades da viagem. O percurso nem é tão longo ou difícil, mas parece que os olhos de Deus estão sobre nós em nossa empreitada. Não entendo como pode Ele estar bravo conosco apesar de suas sagradas escrituras nos dizerem que podemos tomá-los como nossos escravos. Não me orgulho de nossa crueldade, mas são filhos de Cam, filhos de Canaã, são escravos destinados por Noé, é o que está em suas escrituras. Ou pelo menos o que nosso padre nos diz. Senhor, desculpe-me por não ler teus escritos, mas tenho que trabalhar, dependo do atlântico, dependo dos pretos, dependo de nossa crueldade para alimentar minha prole lá de volta na mãe luzitana.

A tempestade foi cruel, quase viramos e alguns homens estão morrendo do mal da Angola. Viemos de um porto diferente, não entendo como nossa tripulação foi afetada, mas eu ainda não adquiri nenhum do sintomas e temo pela minha vida. Estamos há 30 dias no mar nada de costa, mas vi aves voando ao longe e presumo que já estamos perto. Espero que não tenhamos que jogar a mercadoria no mar como da última vez. Apesar do dinheiro do seguro, detesto ver as expressões de desespero daqueles homens que sequer entendem o que está acontecendo, mas, quem sou eu para me levantar contra isso? Sou apenas um mero marinheiro que limpa o chão do barco, nada mais.

Seguimos em direção de Noronha, mas vimos franceses seguindo em uma direção diferente. Parece um navio de mercadorias. De acordo com o capitão eles estão indo para algum lugar perto da capitania de São Vicente, mas ouvi rumores que eles aportam em Ubatuba e negociam com os índios contrários à nossa coroa. Não sei se piratas, mas com certeza são perigosos.

Rezo pela alma dos pretos no nosso navio, pois ao contrário de nossa igreja, não acho que são impuros ou infiéis. Os índios canibais é que são, eles são apenas desenformados e não há como lhes mostrar o nosso Deus se não conhecem a nossa língua. De qualquer forma torno a falar que rezo pela alma deles, que com certeza as têm, pois sei que na hora da morte irei para um lugar muito pior do que eles irão.


Gabriel Vitor Tortejada

Um comentário:

Athina Path disse...

de queixo caído...
adorei seu texto...